tongariro crossing nova zelandia
Nova Zelândia

Tongariro Alpine Crossing: Uma aventura mais épica do que o Senhor dos Anéis

5:30 e toca o despertador. É nestas altura que penso “por que é que me meto nestas coisas?!”. Depois de alguns impropérios proferidos mentalmente lá me levantei e fui vestir-me e tomar o pequeno-almoço. Na cozinha já se encontravam alguns dos membros do nosso grupo que se tinha formado no dia anterior num pub.

12 horas antes, 11 pessoas dos mais variados países entraram num bar, todas com um objectivo em comum: fazer o Tongariro Alpine Crossing no dia seguinte sem pagar 90 dólares cada por um shuttle. Tínhamo-nos conhecido através de grupos de Facebook e no hostel. Rapidamente delineámos um plano: No dia seguinte, às 6 da manhã, íamos dividir-nos em dois carros (sendo que um ia no porta bagagens) e conduzir até ao ponto inicial do Tongario Crossing. No fim, aqueles que acabassem primeiro, iriam à boleia até ao ponto inicial buscar os carros. Em 20 minutos estava tudo combinado e estávamos prontos para ir dormir, já prevendo o temível toque do despertador àquelas horas infernais.

“Só vamos ter que subir aquilo tudo…”Na cozinha sentia-se algum entusiasmo, mas principalmente sono! Quando acabámos de nos equipar com comidinha e água e de vestir todas as camadas de roupa possíveis para enfrentar os dois graus que se faziam sentir naquela manhã em Taupo, arrancámos para o Tongariro Crossing. Conduzimos cerca de hora e meia até ao Mangatepopo Car Park e pelas 8 e pouco começámos a caminhada.

França, Luxemburgo, Portugal, Alemanha, Bélgica, Inglaterra, Holanda e Finlândia!

1ª parte: A walk in the park

Não demorou mais de 5 minutos para se começarem a ouvir os primeiros “uaaau”. Durante a primeira hora o caminho é tão fácil que não há muito mais a fazer do que aproveitar a paisagem e tirar fotografias. Até ali, a passagem por Mordor não tinha muitos segredos.

Mas ao nos aproximarmos da primeira subida começámos a ouvir guias a dizer que o caminho era impossível de realizar sem equipamento especializado e reparámos que várias pessoas estavam a voltar para trás. De equipamento tínhamos zero, só as pessoas que tinham ido de shuttle ou com guia tinham crampons (bicos metálicos para pôr nas botas). Contudo, estávamos ali para fazer a caminhada e sabíamos de pessoas que a tinham feito no dia anterior sem equipamento e por isso continuámos em frente.

Será que íamos mesmo enfrentar Mordor?!

2ª parte: “Oh noooooooo”

A subida até à Red Crater é conhecida por ser a parte mais difícil de todo o percurso. Começando pela Devil’s Staircase (um nome deveras apropriado) e terminando numa subida potencialmente mortal, esta foi a parte do percurso que nos fez temer pela nossa vida. As escadas em si são cansativas, mas devido à presença de gelo fizemo-las mais devagar que o normal e com algumas paragens por isso não foi particularmente penoso. Mas o pior estava para vir.

Qual peregrinação a Fátima, qual quê!

A subida final até à Red Crater inclui, nos meses de Verão, um piso cheio de gravilha movediça, e nos meses de inverno um piso cheio de gelo por cima de gravilha movediça! O perigo em si não é propriamente cair, mas cair e deslizar até ao precipício. Que foi o quase nos aconteceu.

Devagarinho, subimos pelo caminho onde toda a gente (com crampons) estava a subir. Mas o chão estava coberto de gelo e a rapariga que estava à frente no nosso grupo caiu. Depois eu tentei e caí também, fazendo um deslize épico só travado segundos depois por um monte de neve que estava por ali. Ao mesmo tempo ouvi uma francesa do nosso grupo a dizer “oh nooooooo” porque achava que eu já só parava no parque de estacionamento.

Estava portanto provado que por aquele caminho não íamos a lado nenhum. Estudámos as nossas opções. Voltar para trás parecia ainda mais arriscado do que continuar. Por isso, quando vimos algumas pegadas por outro caminho, decidimos arriscar. Provavelmente tinham sido deixadas por mais uns desgraçados sem equipamento próprio. E resultou. Fizemos o resto da subida a pisar ovos, usando mãos e pés quais profissionais da escalada e passados 15 ou 20 minutos lá chegámos ao topo com as pernas ainda meias a tremer!

Mal sabia eu que o pior estava para vir… Foi nesta subida que quase nos matámos!

3ª parte: Is this the real life? Is this just fantasy?

Assim que cheguei ao topo todo o cansaço ou medos desapareceram. À minha frente estava um cenário diferente de tudo o que já tinha visto. Se alguma vez me perguntarem qual é a paisagem mais incrível que já vi na minha vida, a resposta só pode ser esta:

Escolhemos este lugar como sítio da primeira longa pausa e aproveitámos para repor forças e comer qualquer coisa enquanto olhávamos embevecidas para aquilo tudo. Esta zona tinha a vantagem de ter o chão quente e sem gelo (devido à actividade vulcânica) e ser, portanto, um ponto perfeito para parar.

4ª parte: Pratiquemos o sku

A descida que nos aguardava não parecia muito mais amigável do que a subida anterior, mas na verdade foi bastante mais divertida e, pelo que me pareceu, segura. A quantidade de neve era muito maior do que a quantidade de gelo e por isso as quedas eram amortecidas e até dava para praticar um pouco de sku (ski + cu = sku). Fiz a descida relativamente rápido, mas vi pessoas que tinham que ir basicamente sentadas o tempo todo e a descer com mãos e pés por causa das vertigens. Se for o teu caso, aconselho a levares bastões de caminhada.

Depois é só andar até ao Blue Lake (mais parecia uma peregrinação) e parar mais uma vez para uma sessão fotográfica.

5ª parte: And it goes on, and on, and on, and on…

A seguir ao Blue Lake começa a parte final da caminhada. Esta parte é fácil, mas parece interminável. Até chegares ao parque de estacionamento vais passar por trilhos apertados e vertiginosos, mas sem inclinação e descer durante várias horas por um caminho simples, cada vez com mais vegetação até que te encontras rodeado/a de floresta quase tropical durante os 45 minutos finais.

 

Eu estava a fazer o fim do percurso já sozinha, porque entretanto cada uma estava a andar ao seu ritmo, e apanhei um grupo muito divertido que andava a cantar aos altos berros como forma de motivação para chegar ao fim. Acabei a minha caminhada com uma entrada triunfante no parque de estacionamento a cantar o “IT’S THE FINAL COUNTDOWN” em plenos pulmões e fui-me juntar aos rapazes que já estavam lá todos há uma hora e tal, claro!

Deitados na relva a descansar, íamos falando das coisas incríveis que tínhamos visto, das quedas, mas acima de tudo sobre o quão felizes estávamos por ter terminado aquela aventura épica com vida e com muitas histórias para contar.

No regresso ao hostel fomos brindados com um pôr-do-sol magnífico – parecia que todos os astros se tinham alinhado para um dia perfeito – e festejámos o nosso sucesso com um banho quente e uma encomenda de 11 pizzas, sendo que estávamos todos esfomeados!

Caminho de volta ao hostel – Lago Taupo

Ao cair na cama só pensava que este tinha sido provavelmente o dia mais especial da minha viagem e hoje, passados quase 5 meses, ainda o penso.

Dicas rápidas

Alojamento: Tiki Lodge!!! Dos melhores hostels em que já tive. Cozinha gigantesca, internet que funciona, zonas de convívio grandes… Tudo de bom! Fica bem longe do Taupo Urban Retreat.

Roupa: Aposta nas camadas. Quando começámos a caminhada estava cheia de frio com 4 peças de roupa na parte de cima, leggins e calças, dois pares de meias, luvas e tudo e mais alguma coisa. Rapidamente comecei a tirar camadas e só as voltei a pôr quando descansámos. Contudo, nunca se sabe como é que o tempo se vai portar e é importante estar preparado para qualquer eventualidade.

Comida e água: Eu fiz o caminho com cerca de litro e pouco de água. Era quase Inverno e não me cansei assim tanto para precisar de mais, mas isso tens que adaptar às tuas necessidades. Não recomendo a fazer com menos de litro e meio. A comida vem sempre em segundo plano. As barras de cereais são uma boa opção, bem como uma peça de fruta e sandes.

Casas de banho: Existem casas de banho no início (recomendo) e no fim do percurso. Já dentro do parque existe uma antes da Devil’s Staircase e depois dessa só passadas 4/5 horas na Ketetahi Hut

Segurança: Apesar de eu e o meu grupo termos ido à chicos espertos sem equipamento não o recomendo a ninguém no Inverno, principalmente se souberes que o caminho tem gelo. Se não quiseres ir num shuttle ou guia como nós, podes sempre pesquisar sítios que aluguem crampons e vais muito mais descansado/a.

Clima: Nós tivemos uma sorte única naquele dia. Muitas pessoas do nosso grupo já estavam à espera há vários dias para poderem fazer a caminhada. O tempo no Tongariro Crossing é muito volátil e aconselho-te a verificares as previsões atmosféricas neste site: http://www.metservice.com/mountain/tongariro-national-park. Nos meses de verão não há neve em lado nenhum.

Percurso: 19.4 km, eu completei em 6.5 horas com algumas paragens. Não foi o mais cansativo que fiz, mas definitivamente o mais perigoso. Acho que nas partes mais difíceis estava mais preocupada em ver onde é que devia pôr os pés do que em sentir-me cansada. E nunca, mas nunca comeces do fim para o início! Vai ser muito mais difícil e aborrecido.

Transporte: Esta é a parte mais complicada. Inicialmente a ideia era termos três carros sendo que um ia ficar no final e quando acabássemos íamos buscar os outros dois carros ao início. Mas a pessoa do terceiro carro não apareceu e quando os primeiros acabaram tiveram que ir à boleia até ao início. Problema: há tanta gente a fazer isso que o pessoal aproveita para cobrar, e bem, as boleias. Como alternativa existem shuttles de Taupo para o Tongariro (ida e volta) que podes marcar em todos os hostels e começam nos 65 dólares e existem shuttles só do parque de estacionamento final para o inicial onde as pessoas deixam os carros por 30 dólares.

Por fim, fica o link oficial do Governo da Nova Zelândia com dicas sobre o que deves saber antes de ir.

Boa sorte!

Alfacinha germinada e cultivada num cantinho à beira mar plantado, a Inês tem uma certa inquietação que não a deixa ficar muito tempo tempo no mesmo sítio. Fez Erasmus em Paris, trabalhou em Istambul e em Portugal, fez um mestrado em Creative Advertising em Milão e agora trabalha no Reino Unido. Viajar, criatividade, cozinhar, dançar e ler são algumas das suas paixões. A combinação de algumas delas deu origem a este blog, o Mudanças Constantes. Bem-vindos!

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