Um dos maiores propulsores da minha viagem ao Quirguistão foi a possibilidade de contactar com uma cultura nómada. Este cantinho perdido no meio da Ásia Central é conhecido, entre viajantes, como um dos lugares mais acessíveis do mundo para aprender como é viver sem raízes assentes no chão.
Depois de termos testemunhado o quão impiedoso o tempo no Quirguistão pode ser, mesmo no pico do verão, foi fácil perceber o porquê deste povo se conservar nómada. No verão, as planícies a grandes altitudes são atractivas tanto para o turismo como para a o gado e as famílias quirguizes montam os seus acampamentos de yurts em lugares bonitos, mas que nos fazem questionar a sua sanidade mental.
A ideia de dormir num yurt é algo romantizada no mundo ocidental; um género de cabaninha debaixo das estrelas. O que nos esquecemos é que essa cabaninha não tem acesso a água corrente, electricidade ou aquecimento central. E é assim que se vive no Quirguistão, sem nada daquilo que tomamos por garantido.
O nosso último no Quirguistão foi passado no Lago Song Kol, até onde era suposto fazermos uma caminhada de três dias, mas com uma gastroenterite e uma previsão de tempo que prometia neve decidimos mudar de planos e ir e vir no mesmo dia. Também tomámos a decisão radical de mudar de destino e terminarmos os nossos dias na Ásia Central no Uzbequistão (os voos para as Maldivas estavam demasiado caros).
A parte mais impressionante foi o caminho até ao lago, primeiro porque estávamos dentro do carro e não tínhamos frio e depois porque quanto mais subíamos mais espectaculares eram as paisagens. Já no lago em si, fizemos um pequeno piquenique ao ar livre até que as nuvens tomaram conta da situação e tivemos que nos abrigar num género de tenda a jogar às cartas até ser hora de voltar!
Apesar de não ter sido uma viagem fácil – nunca pensámos que o fosse – aprendemos imenso e foram muitos os momentos em que nos rimos pela incredibilidade das situações. Afinal de contas é para isso que viajamos. Estes são os momentos que não podia deixar de partilhar:
– “Se precisarem, liguem-me”: Só ficámos uma noite num hostel em Bishkek, mas isso não impediu um dos membros do staff de se tornar nosso amigo. Aquando da despedida disse “se alguma vez forem parados pela polícia ou se estiverem em sarilhos liguem-me. O meu tio é chefe de polícia e consegue tratar de tudo”. Contactos de qualidade é que a gente precisa!
– Uma nova forma de beber cerveja: Esta informação pode ferir susceptibilidades, mas na Ásia Central eles bebem cerveja com palhinha. E não é uma palhinha qualquer, é daquelas compridas que até dão para fazer arte. Escusado será dizer que nos recusámos a alinhar nesta parte da cultura.
– Um dia para conhecer, um dia para casar: O nosso guia pareceu achar que nós no mundo ocidental demoramos muito até nos decidirmos com quem casar. Segundo ele “conheci a minha mulher num dia e no seguinte perguntei se queria casar comigo. Aqui, namorar mais de três meses sem casamento é muito tempo”. É gente que claramente inspirou o Casados à Primeira Vista.
– Uma pele de lobo na fronteira: No último dos três postos de controlo que se encontram na zona fronteiriça com a China, reparámos numa pele de lobo no gabinete dos militares. Eles pareceram contentes com a atenção e lá trouxeram a sua pele de lobo para nós mexermos. Acho que mais um bocadinho e nos tinham tentado vender a pele que pensando bem nos podia ter dado muito jeito no combate ao frio.
– O papel higiénico: Temos que falar sobre o papel higiénico no Quirguistão. Nas cidades é normal, mas no campo?! Parece lixa! É a cereja no topo da experiência de casa de banho quirguiz.
– Nascidos para cavalgar: Para uma rapariga da cidade é incrível ver o quão à vontade este povo se sente em cima dos cavalos. No lago Kel-Suu vimos um miúdo de quatro anos a conduzir um cavalo sozinho como se fosse um triciclo! E depois há os Jogos Nómadas que acontecem a cada dois anos onde a perícia dos cavaleiros é posta à prova em jogos que nos podem parecer algo bárbaros (como usarem cabras em vez de bolas!), mas que são um evento cultural inacreditável que adorava ver um dia.
– “Agradece ao Ronaldo”: Claro que tinha que deixar o melhor para fim. Na verdade esta história passou-se na fronteira do Cazaquistão para o Quirguistão. Apanhámos um táxi partilhado de Almaty para Bishkek com uns polacos e um casal eslovena/francês que falavam russo. Quando chegámos à fronteira, ainda na parte do Cazaquistão, chego-me ao senhor que carimba passaportes e ele pede-me o papel da imigração que me tinham dado à chegada no país. F***** pensei eu. Como é óbvio (para aqueles que me conhecem) tinha deitado fora o papel – sou muito boa a deitar documentos importantes fora.
O senhor não ficou nada contente com a situação, mas o seu inglês só lhe permitia dizer “problem, problem”. Ficou com o meu passaporte e continuou a atender o resto do meu grupo.
Felizmente tinha a santa eslovena que me ajudou a explicar a situação em russo e em cinco minutos ele passou do polícia mau a polícia fofinho. Depois de muitas voltas dar ao meu passaporte de perceber que sou portuguesa diz algo que acaba em Ronaldo. E eu penso “estou safa”. E estava mesmo. Fez-se o mágico som do carimbo e meio a sorrir (tanto quando o povo Cazaque consegue sorrir) diz-me “thank Ronaldo” e foi assim que entrei no Quirguistão. Obrigada Ronaldo <3
Claro que há muito mais a dizer sobre a cultura nómada como caçar com águias e os intricados padrões que decoram o interior dos yurts, mas espero que fique aqui um gostinho do que te pode esperar numa viagem ao Quirguistão.
5 Comments
Miguel A. Gonçalves
Estas paisagens deixam “água na boca” 🙂
Inês Amaral
neste caso foi mais gelo na boca :p
Rayane Castilho
Muito bom, Inês! 😃
Gostei demais dos teus textos.
Parabéns pelo blog. Me empolguei em te encontrar compartilhando na minha língua, pois ainda estou aprendendo inglês enquanto viajo.
Estivemos, eu e meu marido (brasileiros), passeando por algumas cidades do Quirguistão. Depois da cidade Karakol, fomos duas noites e três dias ali para as margens do Issy-Kul Lake (adorável vila e TB a hospedagem com família muito legal, no LEGENDA).
De lá, as estradas em reforma, levamos 3 conduções em marshustka e táxi até chegar bseguirmos chegar na cidade Koshkor, onde dormimos uma noite apenas, para nos aproximarmos do tour seguinte para as montanhas.
Bem descansados, finalmente seguimos para conhecer/viver um pouquinho essa experiência dos Yurts. No dia 27.08, último, após o pequeno-almoço (como vcs dizem), e de fato foi um banquete surpreendente, esse breakfast oferecido da Guest house, com direito a frutas e caramelos/balas diversos. E nessa hora minha idade mental é de 5 aninhos de idade!!!
Bem, após eu me fartar de tanto comer e tomar cafezinho, nosso motorista nos aguardava para seguirmos rumo a esperada viagem até os lagos lá de cima. Fechamos um tour privado, e foi muito tranquilo. Realmente as paisagens da subida nos deixam de boca aberta. E aqueles animais, os Yarks, vocês viram alguns?!
Foi bem gostoso as quase 24 horas por lá. Também andamos bastante naquelas terras, e beira lago, e fizemos um mini piquenique.nas pedras beirando a água. Demos sorte com o clima; ensolarado o dia quase inteiro. Depois das 16h nublou e foi ficando frio…
Na hora do jantar, às 19h, começou chuvinha e vento… Sem banho nem casa de banho “normal” e, apenas com nossa lanterna e uma luzinha da tenda abastecida por captação de placa solar (que durou uns 30 minutos), nos rendeu bom entretenimento termos algumas partidas de cartas (Banco Imobiliário)… Sim, pode rir!… Meu marido trouxe esse joguinho pra nossa trip de volta ao mundo, e eu nem sabia! Isso me deixou tão contente naquele momento, pois nem me lembrava que ainda tínhamos, quiçá naquele raro momento, desCONECTADOS. Foi uma oportunidade e tanto!
P.S.: Estamos há 3 dias pelo Cazaquistão (Almaty), e curtindo bastante!
Gratidão pelas dicas e descrição de vossa experiência pelos lagos. Faremos todo o possível para visitar a região deles.
Um abraço e felizes jornadas para você sempre, aonde quer que vá!
Rayane
Inês Amaral
Que aventura! E que saudades da Ásia Central! Espero que a viagem tenha continuado a correr bem! Beijinhos 😀
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