“Senhoras e senhores, o voo desta noite, com destino a Argel, terá a duração de duas horas e vinte minutos.” Ao ouvir esta frase invadiu-me um pensamento semelhante ao que tive durante a minha viagem a Marrocos. Em menos de nada a minha realidade ia mudar completamente.
Aliás, a minha realidade já tinha mudado ainda antes de ter aterrado na Argélia. A falta de informação sobre este país tão grande, mas tão desconhecido, fez com que o meu habitual detalhado e preciso plano de viagem se resumisse a pouco mais do que uma intenção. Com zero alojamentos marcados para as próximas duas semanas, esta viagem era um ponto de interrogação.
Uma introdução à “doçura” Argelina
Perto das dez da noite o meu voo aterrou em Argel, num aeroporto deserto. Passado o controlo de passaporte (dicas no fim), os meus medos confirmaram-se. WiFi nem vê-la e todas as lojas de telecomunicações estavam fechadas. Tinha de usar o charme e pedir ajuda. Claro que na Argélia não é preciso charme nenhum e os primeiros rapazes que abordei nem hesitaram em dar-me o telemóvel deles para a mão para falar com o meu host.
Numa mistura de inglês e francês enferrujado lá consegui comunicar com o Mokrane e dizer-lhe que tinha chegado. Mas foi quando os moços partilharam a internet deles que percebi que aquela noite não ia ser fácil. O voo do meu amigo português estava atrasadíssimo e ele teria que se desenrascar e apanhar um táxi quando eventualmente chegasse.
O Mokrane tinha tido a gentileza de me ir buscar ao aeroporto mais um amigo que conduzia o carro. Foi a primeira de muitas vezes que vi pessoas a partilhar carros. Por causa do custo de vida ou não dá para ter carro, ou mesmo os que têm, muitas vezes partilham-no para dividir custos. As boleias são um lugar comum.
Um prato de bulgur e um desvio
Despedimo-nos do amigo/condutor e subimos até um quarto andar sem elevador. Há sempre um pequeno formigueiro na barriga antes de se abrir a porta da casa de um novo host. Como já era de esperar, tinha tudo o que era preciso e mais: um prato de bulgur e frango para mim!
Enquanto degustava o meu belo jantar e a conversa fluía, apercebi-me que as peripécias da noite não terminariam por ali. Principalmente para o meu amigo. O voo dele tinha sido desviado para Oran por causa do nevoeiro. Pelas duas ou três da manhã soube que estava bem e deixei-me finalmente adormecer.
Casbah: na origem de Argel
Em Argel, como em todo o Magrebe, os táxis abundam e são ao preço da chuva. Apanhámos um e pedimos que nos deixasse no Alto Casbah. Enquanto subíamos por estradas cheias de curvas e contracurvas, o meu cérebro tentava absorver tudo o que os meus olhos viam. A arquitectura Haussmann que caracteriza a baixa da cidade era lentamente substituída pela arquitectura Otomana que domina o Casbah. Casbah significa “cidade rodeada por muralhas” e, neste caso, Argel tem o Casbah mais antigo do norte de África.
No topo do Casbah fica o Palácio do Dey. Este palácio, que está a ser reabilitado há dezenas de anos, é uma mixórdia de arquitecturas e chegou a ser o segundo maior palácio do Império Otomano. As divisões são bastante básicas e é interessante ver o contraste quando comparado com os palácios europeus.
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Mas é nas ruas do Casbah que está a alma de Argel. Um labirinto de casas brancas que já viram melhores dias, pequenos negócios e pátios com miúdos a brincar. No meio destas ruas e ruelas, entrámos numa casa de carpinteiros que esculpiram partes de alguns dos mais bonitos edifícios da cidade. No topo do prédio encontra-se uma das melhores vistas sobre Argel e o Mediterrâneo.
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Enquanto passeávamos, passámos por uma pequena porta colorida com bolinhos em cima de uma mesa. Se há coisa que prende a minha atenção são bolos com bom aspecto e o meu host, que só me queria fazer feliz, meteu conversa com o pasteleiro. Claro que ele nos deu vários bolos a provar e ainda nos queria oferecer mais para levar! Eventualmente conseguimos pagar-lhe e seguir caminho.
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Paris em branco, trocas mais ou menos legais e sardinhas
O alto Casbah deságua no baixo Casbah, que num sábado de manhã está absolutamente recheado de pessoas a fazer as suas compras semanais. As ruas estreitas, com parabólicas, toldos e estendais dão lugar a longas e imponentes avenidas.
A prioridade do dia era trocar dinheiro. Na Argélia o dinheiro troca-se nas ruas, a uma taxa muito melhor do que a que se encontra nos bancos. É um negócio que ainda não sei bem se é legal ou não, mas a verdade é que toda a gente o faz e a polícia está bem ciente disso! Perto da Praça Port-Saïd, estão vários homens encostados a colunas. Creio que qualquer um deles te possa trocar dinheiro! A taxa de câmbio é oficial e pode ser consultada online.
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Fizemos uma pequena pausa no Café Tantonville’s, que tem o serviço mais antipático da Argélia, só compensado por uma bela esplanada. Demos mais umas voltas que nos levaram ao magnífico edifício dos correios e à estátua de Emir Abdekader, um símbolo da resistência argelina contra a ocupação francesa.
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Fico sempre surpreendida com a falta de fome que as outras pessoas têm, neste caso o Mok, quando nem pequeno almoço tínhamos tomado. Já passava das duas quando me pergunta “tens fome?” ao que respondo, “SIM”, quase sem o deixar terminar. Assim sendo, fomos a um “restaurante” que nem sei se nome tem, comer sopa de feijão, pão, sardinhas e batatas fritas. Estava em casa. A refeição para duas pessoas custou 6€, ele pareceu achar caro. As semanas que se seguiram provariam que era verdade.
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À tarde passeámos pelo Jardim Botânico Hamma que é uma espécie de Gulbenkian mais tropical. Cheio de famílias que procuram escapar ao cheiro a escape da cidade e casais jovens (e não tão jovens) a namorar longe dos olhares julgadores.
A visita só podia terminar no Memorial aos Mártires, um dos pontos mais emblemáticos da cidade. Não é particularmente bonito, estes memoriais de guerra raramente são, mas é um símbolo importante e o palco de muitas celebrações. Soube por fontes anónimas que muitos Argelinos vêem este memorial como um pirete a França.
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Enquanto explorávamos o estranho centro comercial subterrâneo na zona do monumento, recebi a chamada que esperava: o meu amigo estava finalmente em Argel e pronto para se encontrar connosco. Felizmente, ele teve tanta sorte quanto eu, e as pessoas que conheceu no voo arranjaram-lhe um motorista para o levar a casa do Mok. 20 minutos depois estávamos reunidos!
Finalmente juntos e um couscous como deve ser
O Mok já não tinha mais forças nas pernas – parece que dou cabo de toda a gente – e decidiu ficar a descansar enquanto eu e o Pina passeávamos à beira mar a observar a vida a acontecer. O plano para as próximas semanas começava a desenhar-se ainda que com muitos espaços em branco.
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No regresso a casa passámos pelo supermercado. Entre gestos e um francês mal amanhado comprámos frango, courgette e cenouras. Tinha-me sido prometida uma aula de culinária: ia aprender como fazer um couscous a sério.
E que couscous que foi! Parece que ninguém na Europa sabe fazer couscous como deve ser. Dá uma trabalheira! Entre espalhar o couscous, deixar absorver água, cozinha ao vapor e repetir três vezes, passa-se mais de uma hora e ainda não tínhamos nada no prato. Quando finalmente pusemos a comida na mesa nem queríamos acreditar. Foi o fim perfeito para um dia em cheio.
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Camarões, o reencontro e a noite de Argel
É engraçado pensar no quão diferentes foram os nossos dias em Argel. O início e o fim. Quando deixámos o Mok para a caminho do aeroporto para apanharmos o carro, ele não estava particularmente convencido que conseguiriamos fazer a viagem que tinha planeado. Seriam mais de 4,000 quilómetros, durante 15 dias, que nos levariam ao coração da Argélia. Ele não conhecia ninguém que o tivesse feito de forma independente.
Quando voltámos a casa dele, no penúltimo dia de viagem, com um saco de camarões grelhados vindos de Tipasa e mil e uma histórias para contar, foi uma festa. Éramos a prova (viva!) que é possível!
As celebrações não se fizeram só à mesa. Fui sair com o Mok e com um amigo dele para um restaurante que às 10 da noite se transforma num bar/discoteca. Adorei! Os argelinos dançam com uma paixão inacreditável, principalmente os homens! Fiquei a saber que o vinho argelino não é nada de se deitar fora. Uma tradição algo esquecida, mas que talvez possa vir a ser recuperada.
Últimos passeios, despedidas e a passagem do testemunho
O dia amanheceu com a minha cabeça ainda ressacada, mas com vontade de aproveitar o último dia. Decidimos visitar o Palácio dos Reis, um dos lugares mais bem preservados e bonitos da cidade. Os azulejos são fantásticos e a sua posição à beira mar faz deste palácio um sítio muito tranquilo.
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Almoçámos num restaurante muito gentrificado pela primeira vez: o Sapori. Era bastante bom e se estiveres à procura de um sítio onde falam inglês e onde se come bom couscous, é definitivamente uma opção a considerar.
Nessa noite íamos ficar num hotel, estava na hora de passar o testemunho: o Mok tinha uma nova couchsurfer em sua casa. Fomos todos jantar a um restaurante tradicional para nos despedirmos daqueles pratos que entretanto se tinham tornado os nossos preferidos: Chakhchoukha e Zviti.
Entre muitas palavras simpáticas e abraços, dissemos “adeus” às pessoas que nos tinham acolhido como se fossemos família e partimos da Argélia com uma certeza só: haveríamos de voltar.
Dicas Rápidas
Alojamento: Não sendo um país muito turístico, as opções de alojamento são parcas e difíceis de encontrar online. Só marcámos alojamento durante uma noite em Argel, porque o Mok não se tinha apercebido que precisávamos de estadia durante duas noites em vez de uma. Depois de se ter desdobrado em desculpas e de se ter oferecido para pagar o nosso hotel (claro que recusámos!), ajudou-nos a encontrar um sítio para ficar à última hora.
Ficámos no Hotel Best Night – melhor nome de sempre. Eles tem dois hotéis e o staff é muito simpático. Oferecem transfer para o aeroporto, o que foi ideal porque os nossos voos de regresso eram a horas diferentes. Deixaram-nos ficar no mesmo quarto porque somos estrangeiros. Creio que pagámos 65€ por uma noite.
Aluguer de carro: O aluguer de carro foi mais uma batalha. Se és mulher, não contactes agências com o teu nome! Recebi zero respostas! O Pina lá conseguiu propostas e acabámos por escolher a Free Car – mais um nome original! Apesar de terem um representante de vendas que ignorava o que eu dizia quando o meu francês era melhor que o do Pina (provavelmente é o mesmo que não responde a emails de mulheres), prestaram-nos um óptimo serviço e um HYUNDAI i20 que sobreviveu à viagem toda!
Pagámos 500€ por 15 dias de aluguer, um preço bastante bom quando comparado com a maioria das pessoas que conhecemos. É boa ideia tentar marcar carro com alguma antecedência. Não há muitas agências e se te calha viajar numa altura em que está a acontecer um grande evento na cidade pode ser difícil arranjar carro.
Chegar ao aeroporto: A melhor forma de viajar do aeroporto para o centro da cidade é de táxi. Os preços rondam os 3-5€ no máximo. O comboio custa 80 cêntimos, mas nunca se sabe bem quanto tempo vai demorar. Nós experimentamos uma vez e arrependemos-nos.
Cartão SIM: Definitivamente um bem essencial para quem quer viajar de forma independente. A cobertura de rede é melhor do que pensava, em todas as cidades e vilarejos há internet. Os Argelinos ligam para toda a gente a toda a hora, por isso ter um número local também dá imenso jeito. Comprámos da Djeezy no aeroporto: 50 GB por 16€.
Controlo de Passaporte: Ao chegar ao controlo de passaporte tens que preencher um formulário que inclui a morada do lugar onde vais ficar. Por isso, se tiveres um host, certifica-te que tens a morada dele e provavelmente será melhor dizeres que é teu amigo. O Couchsurfing nao é ilegal como no Irão, mas os hosts tem que registar as pessoas que ficam com eles, o que é uma chatice. Também podes mostrar o email de confirmação de um hotel como comprovativo de estadia – eu marquei um hotel com cancelamento gratuito para fazer o visto.
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