Argélia

De Sofá em Sofá pela Argélia #2: Constantine, Timgad e Ghoufi

Djemila, Constantine, Batna, Timgad, Ghoufi e Biskra. Até fico cansada só de enumerar tantos destinos! Um verdadeiro rodopio de lugares, restaurantes, casas e pessoas que tornaram as primeiras 48 horas da nossa roadtrip numa verdadeira aventura.

 Ando eu, ando eu a caminho… das ruínas!

Entre o (atrasadíssimo e lentíssimo) comboio de Argel para o aeroporto, apanhar o carro, fazer compras num hipermercado e arrancarmos em direção a Constantine, o tempo passou mais rápido do que tínhamos planeado e estávamos atrasados!

Antes de chegarmos a Constantine, à Cidade das Pontes, íamos fazer um desvio até às ruínas romanas de Djemila. Segundo o que encontrei online, as ruínas fechavam às cinco da tarde e, se tudo corresse bem, chegaríamos pelas 15:30/16:00. Apertado, mas tínhamos que tentar! A estrada estava em condições surpreendentemente boas, sendo que de vez em quando reparávamos num condutor parado para um casual xixi ou em dois amigos encostados a pôr a conversa em dia. Tudo é possível!


Passando por um checkpoint aqui e ali, chegámos às ruínas a tempo. Foi quase uma pena termos visto Djemila primeiro, porque foram as melhores ruínas da viagem! Podem não ser tão extensas como as de Timgad, nem ter uma vista mar como Tipasa, mas estão num bonito vale, têm uma atmosfera muito própria e estão muito bem preservadas.

Enquanto festejávamos o facto de termos um lugar daqueles quase só para nós, ouvimos a língua de Camões. Ali estava um grupo de portugueses, liderados pelo Pedro Moreira, que viríamos a encontrar mais duas vezes durante a viagem. Afinal, os poucos turistas que existem acabam todos nos mesmos sítios! 

Quando souberam que estávamos de carro, sozinhos, perguntaram-nos logo se não estávamos a ser acompanhados pela polícia. Pelos vistos, eles tinham sido escoltados e continuariam a ser quase toda a viagem. A partir daí ganhámos uma aversão aos checkpoints da polícia. A última coisa que queríamos era ser escoltados! Íamos precisar de muita sorte para escaparmos durante as próximas duas semanas.


Jantares espontâneos e passeios noturnos

Tínhamos arranjado um host em Constantine à última hora, mas como ele só ia chegar a casa mais tarde, decidi tentar a minha sorte e ver se o Yacine, que também tinha conhecido através do Couchsurfing, estava disponível para um jantar espontâneo.

A resposta foi um rápido “sim”, e pouco tempo depois estávamos sentados nuns banquinhos de plástico a comer espetadas com ele e um amigo dele, o Khalil. Nessa noite percebi que era a única mulher na rua, um padrāo que se repetiria durante quase toda a viagem.



As horas que se seguiram, foram passadas a conversar sobre tudo e mais alguma coisa, principalmente sobre o futuro e os sonhos deles. Muitos jovens saem do país à procura de um futuro melhor, sendo que alguns acabam por perder a própria vida no caminho.

Quando demos por nós, estava na altura de nos despedirmos, tirarmos selfies, e ir conhecer o nosso anfitrião para essa noite. 

Com um sorriso cansado de alguém que tinha trabalhado até às dez da noite, o Amir abriu-nos a porta da sua casa. “Então. Vamos ver a cidade?”. Não estávamos nada à espera daquela pergunta!

Apesar do longo dia de viagem, sabíamos tão bem quanto ele que aquela era a nossa única oportunidade de ver Constantine de noite. Aceitámos e durante uma hora, passeámos pelos melhores miradouros de Constantine, começando a perceber a maravilha geográfica que é aquela cidade.


Conquistando Constantine, ponte por ponte

Depois de uma noite bem dormida, estávamos prontos para conquistar Constantine. A boleia do Amir deixou-nos no centro e começámos por um pequeno almoço no Café Oxygène. A cultura do pequeno almoço e dos cafés é praticamente inexistente na Argélia, portanto apesar dos croissants serem secos, souberam a pato!

Ao lado do café fica o Palácio Ahmed Bey, cujo bilhete de entrada vem acompanhado de guia. Com um jardim vibrante, cheio de laranjeiras, o maior “tesouro” deste palácio são os seus murais, pintados pelo próprio Hajj Ahmed. Estes frescos, raros na região, representam a sua peregrinação pelo Médio Oriente até chegar a Meca.



Contudo o melhor de Constantine são as suas pontes e, por vezes, até o que está por baixo delas. Juntámos o Khalil, o Amir e mais uma rapariga americana que nos chegou através do Couchsurfing e lá fomos, descobrindo mercados de rua, como o Didouche Mourad, e pontes suspensas que abanam por tudo quanto é sítio.  As minhas preferidas são a Sidi M’Cid e a Mellah Slimane.



Almoçámos num restaurante simples, onde as mesas se enchem de migalhas e tudo se partilha. Espetadas, almôndegas, sopa de grão de bico e umas batatas, que só de pensar nelas me cresce água na boca! Tudo maravilhoso e nós proibidos de pagar por ordem dos anfitriões.


Avatar vs Velocidade Furiosa 

À tarde tivemos de acelerar o passo porque a Arzu, a americana, tinha que apanhar um voo. Mas foi no meio desta correria que nos foi mostrado o melhor lugar de Constantine. Debaixo de uma ponte, a Bab El Kantra, depois de passarmos por uma data de lixo que ali se acumulou, abre-se uma paisagem tipo Avatar! Há jardins suspensos, pequenas quedas de água e um rio a passar por baixo dos nossos pés. É mágico!


Foi um momento zen, de descanso, que precedeu uma das horas mais intensas da viagem.

O Amir tinha-se oferecido para ir levar a Arzu ao aeroporto. Problema: não tinha visto o estado do trânsito. Entre rogar pragas aos trabalhos de construção, cantar canções típicas argelinas para não “panicar” e conduzir a uma velocidade furiosa, conseguimos deixar a moça no aeroporto a tempo!

Quanto a nós, restava-nos dizer adeus e agradecer mais uma vez a hospitalidade, que já estava mais que comprovado ser uma característica inata dos Argelinos.

Tiros celebratórios e hotéis moralistas

O dia estava longe de ter terminado. Seguimos caminho até Batna, onde íamos passar a noite e encontrar-nos com o Norushka – que tinha conhecido através do Pedro Moreira, com quem me cruzei em Djemila. 

O Norushka não nos podia acolher, mas ajudou-nos a encontrar um hotel baratucho em Batna. Para minha surpresa, Batna já era um lugar mais conservador e eu e o Pina, o meu amigo e companheiro de viagem, não podíamos ficar no mesmo quarto por não sermos casados. O dono do hotel deixou bem claro que não haveria cá escapadelas noturnas de um quarto para o outro. Sim, por que o hotel tinha câmeras! Separados por dois pisos, deixámos as mochilas nos quartos (12.5€ cada) e fomos jantar.


Fomos apresentados à Chakhchoukha e ao Zviti e a nossa paixão pela gastronomia argelina foi-se aprofundando. Quanto ao Norushka apercebemo-nos logo que nos íamos dar muito bem. Apesar do cansaço, conversámos durante horas e ele felizmente mencionou que, como à meia noite íamos passar para dia 1 de Novembro – quando se comemora o início da Guerra da Argéliaia haver tiros de celebração por toda a cidade. 

Tivémos pena de não ficar para assistir, mas depois de um dia destes só queríamos ir aproveitar o nosso hotel conservador. Ao menos não nos assustamos quando à meia noite começou tudo aos tiros!

Nas (esbatidas) pegadas Romanas

Acordámos cedo e com algum receio que o dono do hotel nos tivesse apanhado a trocar uma pasta de dentes às dez da noite. Pequeno-almoço tomado (o melhor da viagem!), fomos apanhar o Norushka à sua vila. Ele tinha uma surpresa para nós! A dois minutos da sua casa estava um museu de estátuas romanas absolutamente incrível. Num sítio onde ninguém vai!


O senhor que toma conta do museu lá nos ia transmitindo alguma informação através do Norushka e ficou deliciado com as nossas caras de parvos a olhar para aquilo tudo. Eles até têm a maior estátua romana de todo o continente africano! Mais uma vez, fomos proibidos de pagar.

Mas isto era só uma amostra. Timgad era o próximo destino! Desenhada por militares, é aqui que fica o maior complexo de ruínas romanas da Argélia. Passeámos pelas suas ruas perfeitamente desenhadas e vimos colunas, um teatro, as casas dos seus habitantes e um arco monumental. Depois de tanta pedra, era hora de almoçar.


A luta pela liberdade começou num desfiladeiro

Parámos num pequeno restaurante a caminho daquele que pensávamos que seria o nosso destino final: o Desfiladeiro de Ghoufi (diz-se Rhoufi). Nesse restaurante vivi aquele que seria o momento mais insólito da viagem.

Quando nos sentámos numa mesinha ao canto, não demorou mais do que dois segundos até o dono do restaurante se dirigir até nós para instalar um biombo à nossa volta, mais particularmente à minha volta. Com um ar meio perdido, perguntámos ao Norushka o que é que estava a acontecer e pelos vistos, estava a tentar proteger-me dos olhares de homens desconhecidos! Agradecemos o gesto, mas dissemos que não havia necessidade. Estávamos oficialmente a entrar na zona mais conservadora da Argélia. 

Depois do almoço, que custou cerca de 5€ para três pessoas, acabámos numa pastelaria com éclairs e outros bolos franceses de fazer crescer água na boca, todos a menos de 1€. Íamos devorar estas maravilhas enquanto olhávamos para uma das melhores paisagens do país.


Seguimos caminho pela estrada onde começou a luta pela liberdade na Argélia. A Guerra da Argélia fazia sessenta e oito anos naquele dia. 

A partir daqui a paisagem tornou-se mais árida e a vegetação passou a ser quase toda composta por palmeiras carregadas de tamaras. Por fim, lá estava ele, o famoso desfiladeiro, esculpido durante milhões de anos pela natureza.

Tivemos a sorte de estar com o Norushka que conhece a zona como a palma das mãos. Seguimo-lo até ao miradouro com a vista mais bonita para enfardarmos os nossos bolos. 


Já no fundo do desfiladeiro, ficamos rodeados de palmeiras e de paredes de rochas sedimentares. Para além da beleza natural, ainda há um hotel em ruínas, construído pelos franceses, que parece que foi ali posto para embelezar as fotografias dos turistas. 

O Norushka, sendo cá dos nossos, ainda arranjou maneira de enfiar mais uma paragem neste dia já tão preenchido. Mostrou-nos a outra face do desfiladeiro, no M’Chouneche natural park, onde as suas margens se estreitam ao ponto de mal caber lá uma pessoa.


Rendidos à chakhchoukha da mãe    

Com o sol já a pôr-se, finalmente estávamos a caminho de Biskra onde o nosso próximo anfitrião e a sua mãe nos esperavam. Devo dizer que nunca me hei-de esquecer desta mãe argelina, já de quase oitenta anos, que nos cozinhou a melhor refeição de toda a viagem: a Chakhchoukha de Biskra.


Não sei se por simpatia ou por não me querer pôr a dormir no mesmo quarto que um homem com quem não sou casada, a mãe convidou-me para dormir no quarto dela. Nessa noite adormeci ao som do seu ressonar, aconchegada num colchão no chão.

No dia seguinte seguimos para Ghardaia!   

Dicas e informações úteis

Preço da gasolina: Foi logo no primeiro dia, quando decidimos pôr gasolina, que descobrimos que meio depósito custava 3 euros. Não podíamos estar a fazer as contas certas! Mas não é que estávamos mesmo? O preço por litro era de 14 cêntimos. Rimo-nos, celebrámos e 4,000km depois penso que gastámos cerca de 50€ em gasolina para a viagem toda…

Alojamento em Batna: O hotel que mencionei acima chama-se Hôtel El Hayat. Acho que conseguimos um preço “especial” por ter sido marcado pelo nosso amigo, pelo que percebi, é sempre mais barato se for feito em pessoa, especialmente por locais. De qualquer forma é um hotel decente e limpo, só que já sabes… não há cá marotices fora do casamento!

Alfacinha germinada e cultivada num cantinho à beira mar plantado, a Inês tem uma certa inquietação que não a deixa ficar muito tempo tempo no mesmo sítio. Fez Erasmus em Paris, trabalhou em Istambul e em Portugal, fez um mestrado em Creative Advertising em Milão e agora trabalha no Reino Unido. Viajar, criatividade, cozinhar, dançar e ler são algumas das suas paixões. A combinação de algumas delas deu origem a este blog, o Mudanças Constantes. Bem-vindos!

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